quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

(53) O primeiro dia...


“Ondulavam os corpos a cada curva da estrada e de soslaio olhavam-se com aquele ar cúmplice de quem está ansioso por chegar onde ninguém os conheça. Projectos, imensos projectos e a vontade de esquecerem o que ficou para trás. No peito aquele aperto que só as crianças sentem quando estão prestes a receber aquele presente que há tanto tempo esperam. 
Ele, sabia que a ansiedade dela não era menor que a sua e carinhosamente ia deixando deslizar a sua mão direita, até tocar ao de leve a perna dela, como se quisesse que ela prestasse atenção a mais um projecto que lhe ia na alma ou para mais um sonho que adiava há muito. Lá fora do carro a temperatura era agreste, própria do inicio de um mês de Março com sol envergonhado e tépido, mas dentro a temperatura há muito se fizera Agosto e as palavras cozinhavam-se lentamente para serem saboreadas em gostoso repasto de sonhos e vontades.
Agora já faltava pouco. Serpenteando atentamente por ruas estreitas e olhando minuciosamente cada cruzamento, tentava descobrir o restaurante onde a queria levar. Lá estava…em frente a estrada principal onde viajantes domingueiros circulavam lentamente aproveitando o sol em silêncio. O mar em fundo, contorcia-se em movimentos incessantes saboreando também ele os raios solarengos…
Agora comodamente sentados e alheios aos demais comensais, os olhares unidireccionais foram criando a certeza de que aquele era o dia e que aquela história seria escrita letra por letra, como as imensas dunas ali em frente, se compunham de minúsculos grãos de areia...e as mais belas canções que ouviram na viagem se compunham por pequenas notas... 
O almoço fora longo, mas o tempo agora não fazia sentido.
-“Para se viver de verdade, não é necessário fazer ou passar por grandes feitos, espectáculos ou grandes demonstrações. A vida é feita dos pequenos gestos, das pequenas atitudes. Um olhar, um sorriso, um abraço ou uma palavra, podem fazer toda a diferença” – a medo, tentava que ela entendesse que ele esperava um desses gestos.
Ela sorriu. Manteve sempre a sua pose altiva e sempre alinhada. Com a mão direita dava inicio ao seu ritual nervoso de enrolar uma pequena madeixa de cabelo, sem nunca perder o brilho do olhar e o sorriso que deixava a descoberto aqueles dentes alinhados e brancos. Parecia que de repente encontrara o seu lugar, sem lembranças, nem cicatrizes de guerra e precisava seguir adiante, na conquista de tesouros secretos.
-“É…são pequenos gestos que me fazem neste momento viajar, porque te tenho para compartilhar o pôr-do-sol ou uma noite sentados junto ao mar e poder fazer uma paragem na viagem para adormecer iluminada pelo luar” – sorriu, num misto de provocação e vontade de abandonar a mochila de lembranças que até há pouco a torturavam.
Para ele, este cenário idílico, fazia-o sonhar com o desejo de deixar de ser nómada e finalmente poder descansar e compartilhar os sonhos, as estrelas e beber um chá de lua cheia, de forma a apenas escutar um só ritmo cardíaco.
Agora, já no passadiço das dunas, com a aragem do Norte a fazer-se sentir, olhavam-se e sorriam sem pudor. Depois de tantas despedidas, sentiam que ambos tinham vindo para ficar e nas tardes de Inverno, num abraço, ficarem mais fortes para segurarem a árvore da vida. E cada rosto com que se cruzavam, lhes parecia familiar, inquisitório e condenatório e isso impedia-os de darem as mãos…caminhavam lado a lado, a uma distância de segurança porque os medos e preconceitos, esses não se evaporam com um sol tão envergonhado, nem congelam com temperatura tão amena…talvez um dia.
Este era apenas o primeiro…”