domingo, 13 de novembro de 2022

(73) Espera imensa...

"Mais uma noite e mais um gin, e mais uma vez, sob a luz do luar, e o encanto das estrelas, tentava escrever sobre a estrela mais bonita que já conhecera. Mas dessa vez era diferente, sentia que precisava escrever sobre esse sentimento que não se ia embora, não importava o que fazia, não importava quanto tempo passara, não importava o que acontecia, e já não sabia mais o que fazer, já não sabia mais como reagir aquele sentimento, que deveria ter-se sumido, ter-se extinguido, desaparecido. 
Já tentara de tudo, tentara conhecer e relacionar-se com outras pessoas, mas por algum motivo não adiantara nada, o seu coração sempre voltava para ela e sentia que não conseguia mais viver sem o seu brilho para iluminar as suas noites mais escuras. De alguma forma, sentia que não sabia mais viver sem a ter, mesmo convencendo-se que o tempo passou, e mesmo sabendo que mudara muito, e provavelmente ela também. Por mais estranho que pareça, confortava-o saber que quem era agora nunca daria certo com ela naquela época, e provavelmente, com ela nessa época também não, e já se convencera disso, sabia isso. Então porquê? Porque não saía ela da sua mente? Porque não saía ela do seu coração? Porque não conseguia deixar de vê-la como a sua lua dourada? Porque parecia que nada fazia sentido sem ela? Às vezes a sua vontade era de simplesmente dizer dane-se para qualquer coisa e enviar-lhe este texto patético, mas sabia que não faria sentido, sabia que isso só o machucaria mais...
O frio da madrugada e a sensação fúnebre do sabor amargo do gin dançando no seu estômago eram as únicas coisas que aliviavam aquele sentimento sufocante, o silêncio da noite e o vazio nas ruas reflectiam o seu coração. Será que um dia ela irá voltar, nem que seja para perguntar como ele está? É melhor não, isso só alimentaria mais esse sentimento, que ele sabia que só o tempo podia curar. Mas quanto tempo mais será que vai precisar? Quanto tempo mais será que ele aguentará? 
Continuava a acreditar e ia esperar...no canto de sempre...
Sorriu…a sensação de uma lágrima fria escorrendo pela face quente até ao canto da boca, misturava-se com o sabor amargo de mais um trago de gin…
Limpou a face com as costas da mão, colocou o copo no chão da varanda. Levantou os olhos para as estrelas e respirou com dificuldade…
No escuro, uma luz ténue fez-se notar e simultaneamente o toque conhecido do telemóvel. Olhou de soslaio, no ecrã apenas duas letras: “NI”. Era ela…

quarta-feira, 31 de julho de 2019

(72) Nova tela...

Se te pudesse dar um conselho, dir-te-ia para tomares todos os dias a tua vida como uma tela em branco. E em cada dia começa por pintares a tua nova história, usando novas cores e tonalidades a que tu tens direito.
E nessa nova tela teres o direito de criar outros personagens, que contigo recomecem a cada dia, mesmo que sejam personagens resgatados ao passado longínquo. E em cada novo dia, pega nos teus rascunhos, passa-os a limpo, porque foram esses que te ajudaram a planear cada traço de um novo dia.
Se te pudesse dar um conselho, dir-te-ia para criares nova paleta de cores, usares uma nova tela, sem medo de arriscares uma nova cor mais viva. E não apagues nada. Deixa que as cores esborratadas sinalizem o novo caminho onde redesenharás novos caminhos, novos afectos, novos abraços e nova vida...
E as novas cores, usa e abusa para que se fundam com o que queres do novo dia. Para que cada tela seja uma peça de um puzzle que vais construir como um novo sopro de vida. E em cada nova pincelada tenhas a certeza de que o resultado final está longe das tonalidades do passado.
Como dizia uma querida amiga:
-“A mim pertence a tela da vida, com as cores dos meus sonhos, das minhas atitudes e das minhas expectativas.”

domingo, 3 de junho de 2018

(71) Uns Olhos...

Tudo olha!
Tudo é e aguarda em silenciosa espera. A espera sem julgamento, em dádiva expectante.
A expectativa do encontro onde a afinidade e o reconhecimento se realizam.
Olhos que te olham procuram os teus em toda a parte. Não as janelas com que vês o mundo, mas aqueles com que o percebes e o incorporas.
Os olhos que alcançam a outra margem, a outra perspetiva, o não-óbvio, o não-dito, o mediato, o além… - a Essência!
Quando te adentras e despes o redor do seu papel efémero de aparência e frágil superficialidade, o chip fotográfico chega à lente mais dotada do teu sentir. Os sentidos fundem-se e mesclam-se como as cores de uma opala. É aí nesse instante que os olhos se olham.
Olhemos movidos pela vontade curiosa do outro que é, sem a arrogância do ego que nos habita, numa assumida presença de igual diferença. Poderemos, assim, tocar a manifestação da admiração, da surpresa e tornar possível o encantamento e o impulso de buscá-lo. Olhar para acolher é ver algo do que somos no que nos olha, seja árvore, folha, asa ou flor de giesta. 
Todo o lugar é mundo. Todo o tempo, vivência. Toda a consciência, crescimento.
Assim, a viagem da vida que passa perpassa, também, a ligação a um exterior que escolhemos reconhecer como existência válida que nos afeta dentro, que percorre o labirinto das sensibilidades até onde o fôlego conseguir sorver a latência que povoa cada instante e nos procura os olhos do coração para passar a Ser, para nós, algo que não cabe numa frase começada por “teoricamente”…
Olhemos vendo, pois, para cima, para baixo, para fora e, se fecharmos os olhos, que seja para unificar, num mesmo véu de virtude, a Vida.
Olhemos com verdadeira humildade e jamais nos sentiremos sós, pois encontraremos um número infinito de olhos que como nós, esperam nos bastidores do estarmos aqui.
Afinal, no fundo dos olhos de um gato, um Deus se expressa!

sábado, 3 de fevereiro de 2018

(70) Abraço...entrelaço...

Foi aquele abraço...
No pico da saudade,
Com odores de canas e penedos,
Em corpos quentes entrelaçados,
Com cabelos na boca, por faces fundidas,
Onde o tempo voltou e parou
Sentem-se batidas cardíacas
E vapores de bocas caladas
Onde o tempo, no vento, esvoaçou...
Há memórias de afectos reprimidos
Reconhecidos, sentidos, amordaçados.
E foste quem eu sabia...
Soubeste quem tinhas sido...
E por entre os odores das canas e penedos
O casario abraçou-nos
Num abraço de caliça e pétalas caídas.
E a saudade fez-se presente
E o presente tornou-se entrelaço,
De laços e mãos suadas de espuma
Salgada, dolente, dormente...
E viajamos...

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

(69) Ontem, pedi-te que não fosses...

Ontem, foi tão tarde...
Um tempo adiado, na procura do tempo ideal.
Um tempo de sal...e maresia,
Uma noite de sol e umas mãos coladas na pele.
Ontem, devia ser novamente hoje...
Com beijos de sal e abraços de calor,
Que pedi e que tive.
Hoje, vivo no passado,
E volto como as gaivotas,
No silêncio da pele que se toca...húmida,
E nos murmúrios abafados
Da noite com aromas de paixão.
Ontem, já foi tão tarde...mas foi...
Pedi-te que não fosses
Queria que viesses...
Num beijo que escorre pelo canto da boca
E uma mão que segura e aperta a vontade
De ter mais...e tu voltas.
Em cada palavra não dita,
Esconde-se a vontade de ser feliz.
E em cada gemido sufocado,
Sei que estiveste lá...ontem...do meu lado,
E pedi-te que não fosses...
E voltaste sempre, até ao fim...

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

(68) Reencontro...desencontro...

Aquele encontro no final de uma tarde fria, em que ela o convidara para lanchar, era a confirmação de tudo que procurara durante anos e que encontrara naquela reunião um ano antes. Os seus olhos eram os mesmos...Sim...os mesmos olhos tristes que vira naquele palácio, outrora noutra vida, quando fora expulso e teve que deixar a sua Princesa...
Dias depois deste reencontro, num aperto de nostalgia, pegou num papel e escreveu: 
"Sei que esta talvez tenha sido a última vez que te vi. Num turbilhão de emoções que me inundam a mente, sinto-me ser levado pela maré. Não quero, quero voltar a estar contigo nem que seja apenas mais uma vez. No canto do olho uma lágrima teimosa escorre-me pela face, salgada, ardente, dolente...com este papel, é como se acenasse com um lenço branco de adeus...”
Curioso era o que ela lhe escrevera a propósito daquele reencontro: 
“Quando estivemos juntos senti uma vontade imensa de te abraçar. Lembro-me desse pormenor mas não entendi ...realmente algo de estranho que senti...Tive medo”.
Ele respondeu-lhe: 
“Nem imaginas como quando te vi afastares-te naquele jardim, naquela tarde fria, me apeteceu gritar: Volta...preciso contar-te a minha vida".
Passou mais um ano. Tantas horas em que lhe apeteceu voltar a vê-la...
Mas não acreditava. Mais forte: não queria acreditar. Um “Amo-te...” é como chave de prisão. Entra-se e não se sabe se algum dia se sai. Até que naquele dia a viu chegar. Com um brilhozinho nos olhos... cada um tinha feito um novo amigo. 
Ao longo deste tempo foram juntos aos infernos de cada um sem soltarem a mão do outro. Brincaram virtualmente como adolescentes... e sentiram saudades da “outra vida” e até do que ainda não tinham vivido. Contaram sonhos. Contaram até os silêncios. E ele ficara muitas vezes em silêncio, quando as palavras se emaranhavam no que sentia e tinha medo que ela fugisse... 
Há um ano, tinham-se olhado nos olhos, profundamente, e sorriram. E aquela vontade de lhe agarrar a cabeça com uma mão e puxá-la para um beijo que continha todos os minutos até aí perdidos na vida... foi certeza, não foi carência. Foi entrega. Com resistência...
Quando a viu partir, interrogou-se: 
“E agora?'...” 
Quis gritar-lhe...sufocou...
Partira, olhando uma vez mais para trás e sorriu com aqueles lábios que ele tão bem conhecia. Ela queria abraçá-lo. Ele queria abraçá-la num anel de calor e protecção, para lhe dizer: 
“Agora, a vida recomeça. E fazemos dela o que quisermos”. 
Ela sorri...afinal... existia o “tal” Amor do passado... como amoras que nascem espontâneas e adoçam o Caminho...
Ele queria ficar ali... E as horas que se lixassem... e o mundo inteiro que parasse ou corresse, era indiferente...por uma fracção de segundo olhou-a na Luz crepuscular dos candeeiros do jardim e quis murmurar-lhe o desafio que fazia parte de si: 
“Anda...vem cá...vamos reencontrar-nos...”
Há milénios fizera-o guardião do seu sentir total... queria dar-lho. Queria que recuperasse a memória do Amor com toque de asa. E houve um momento em que lhe apeteceu dizer-lhe: 
“És tu que páras e me olhas nos olhos, incrédula e envolvida pelo espanto: - És tu? Não, somos nós...”
E o mundo recomeçou ali...
Há um ano, foi um daqueles dias que nos fazem tremer todas as certezas que acumulámos ao longo da vida... certezas que se tornam lixo... pois tudo começa ali, naquele momento, naquele olhar. Se há gesto que faz um homem render-se sem “mas”... é quando quem amamos nos puxa para ela... mão na nuca, com a firmeza do “eu quero-te”... Não aconteceu na verdade...
Amar é raro. Raríssimo. Mas quando nos abraça...tornamo-nos super heróis e tão humanos...

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

(67) Ausência e Abstinência...

Ela sabia o que fazer. O seu coração dizia-lhe que ele estava a passar por momentos muito duros. Momentos como os que ela já passara por ele e que foram dias de tormenta. Não hesitou. Sentou-se frente ao portátil e com as mãos trémulas pela emoção e pela saudade que ainda apertava o peito, escreveu:
"Meu querido, 
Tens que dizer a ti próprio:“Vou desaparecer. Fazer com que sinta a minha falta”. Embora essa seja uma artimanha arriscada, é uma das únicas que pode dar certo. De vez em quando o único remédio é sair de cena para o show continuar. Aprender a ser ausência quando tudo já foi dito, cobrado, explicado. Deixar de ser insistência para ser abstinência. Controlar os próprios impulsos pode parecer simples, mas é uma das coisas  mais difíceis de se conseguir. Tanta alegria lá fora e tu teimando em te fixares na pessoa que te abandonou. É preciso entenderes que enquanto perderes tempo a ver os horários em que “visualizou por último” no WhatsApp, muita vida está a acontecer lá fora e a ser deixada para trás.
É claro que no início vai ser mais difícil. Não é de uma hora para a outra que o coração entende as mudanças de planos e estações, mas aos poucos, bem aos poucos, aprendes a fazer falta. Desaparece do mapa de quem sabe onde te encontrar e até ao momento não se importou; para quem teve todos os teus sorrisos e nunca os valorizou. Sai de cena de quem tu ouviste inúmeros “nãos” e nunca acreditou; de quem pouco se relacionou e muito se cansou. Do afecto pequeno que tanto te recusou e tu sempre aceitaste. Desaparece do mapa de quem vive com dúvidas e nunca te teve como certeza; de quem não aprendeu a remar junto contigo na tua luta e agir com gentileza. Aprende meu querido a fazer falta para quem já se habituou à tua presença e desaprendeu de sorrir quando tu te  aproximavas. 
Para quem se esqueceu como é boa a tua companhia e prefere refugiar-se numa vida fria, onde não tem horizontes, os horizontes que tinhas para ela. Fazer falta é segurar o impulso de procurar, vasculhar, perguntar. É conter a vontade de entender o que não dá mais para explicar ou de justificar o que não merece absolvição. Fazer falta é não ligar, não mandar mensagens, não digitar o tal endereço na barra de contactos do e-mail. 
É sair para te distraíres com os amigos, dar uma corrida no parque, respirar fundo e encontrar sentido na solidão. É rezar para o pensamento acalmar, não entrar no perfil dela do Facebook, deixar de postar as tuas próprias fotos com a intenção de seres visto à distância. 
É desistir de parecer bem, é cortar o cabelo para renovar o espírito, é ficar bem longe do telemóvel enquanto tomas um copo de cerveja ou uma taça de champanhe. É, acima de tudo, agir com esquecimento para quem te quis esquecer. Torço para que tu meu querido, consigas desaparecer. Para que, desaparecendo, ela descubra se realmente fazes falta. Para que, desaparecendo, ela descubra o quanto a tua presença é importante ou não. Desaparecer é uma estratégia arriscada, eu sei. Mas também define muita coisa mal resolvida. Também traz as respostas que buscamos e nem sempre encontramos. Nem sempre as respostas serão aquelas desejadas, mas no fim vão libertar-te para prosseguires com mais certeza, clareza… e amor próprio.
E estarei sempre aqui..."