quinta-feira, 16 de setembro de 2010

(39) Cansaço...

“Hoje, sentia-se cansado...a sua vida assemelhava-se ás ondas do mar...um ritual de bater na praia num movimento sem fim. Pensou em todas as coisas que o rodeavam, onde vivia, onde dormia e fazia um esforço para comparar tudo o que tinha, com aqueles que nada possuem. Momentaneamente, com tranquilidade e sem nenhuma pressa, reflectiu sobre os seus valores. Talvez por não reconhecer o devido valor naquilo que já possuía, sentia uma angústia causada pela distância daquilo que desejava, pois tinha a impressão de que o que desejava era o que faltava para curar aquilo que o deixava vazio e sem razão. Olhou-a de frente. Os olhos dela pareciam tentar ler nos lábios dele o seu raciocínio.
- Ás vezes penso como é bom não me privar de certas coisas; como é bom estar vivo, e como é bom viver; como é bom estar aqui do teu lado...mesmo sentindo-me diminuído e constrangido com as pressões que a sociedade impõe.
Pela primeira vez, ela não lhe passara a mão pela cabeça, num gesto de assentimento e cumplicidade. Sabia que não o poderia fazer, sob pena de estar a perpetuar a sua apatia...
- Será que não é tempo de remares contra a maré? De fazeres uma reflexão como forma de identificares o teu campo de batalha, para poderes efectuar um bom combate?...
Hoje, sentia-se cansado...e estas palavras duras aglutinavam tudo o que ele próprio sentia. Ela, sem vacilar e quase sem respirar, atirava forte :
- Pensa nos pássaros incansáveis na construção do seu ninho, lutando incessantemente para dignificar a sua própria obra. O teu valor é inquestionável, mas está na hora de o colocares á prova... Não vivas de lembranças, pois quem se insere no passado esquece-se de viver o presente.
A brisa da noite soprava branda e quente. Tudo o que ela lhe dissera era difícil de digerir...queria construir monumentos e estátuas...a obra da sua vida... a estrutura simples...mas de facto ainda fizera muito pouco. Ela tinha razão.
Caminharam silenciosos...sentaram-se lado a lado no restaurante e saborearam o jantar...com um brinde silencioso, mas cúmplice, de um aromatizado rosé....hoje, sentia-se tão cansado”

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

(38) Enredo...

-“Gostava de partilhar contigo os meus pensamentos – dizia ele enquanto aconchegava o blusão fino - hoje tenho-me questionado muito, porque será que os sonhos não podem criar novos tempos? Porque será que a esperança não ilumina cada amanhecer? Porque será que a cada novo dia não podemos escrever uma nova história? A vida seria tão mais repleta de certezas...Não achas?
Com aquele olhar terno de sempre, ela sorriu como que tentando concordar:
- Mas, a vida é cheia de incertezas meu querido. E é isso que nos estimula a sonhar e a depositar as nossas esperanças no amanhã, sabendo que, o hoje é uma fonte inesgotável de possibilidades de ser feliz.
Em silêncio, digeriu aquelas sábias palavras que ela acabara de pronunciar, quase soletrando. Soergueu-se apaticamente no sofá e olhou através da janela. Lá fora os pássaros executavam um voo tranquilo, parecendo que tinham a certeza do que buscavam e onde encontrariam; começou a questionar-se sobre o que tinha e o que buscava...os pássaros perderam-se de vista, Ele perdia-se em pensamentos.Queria ter a certeza que estava realmente vivo e não morto. Parecia que uma cortina acabava de cobrir o sol, como se o espectáculo terminasse. Era assim, todos os finais de dia da sua actual vida.
- Achas que será possível erguer um pouco mais a cortina da minha vida e dar uma vista de olhos, para ver o que acontece por lá e qual é o filme que vai estrear?
Ela permanecia imóvel, atenta e sempre com aquele doce olhar fixo nos mais pequenos trejeitos faciais, que ele acentuava nas suas preocupações. Manteve-se em silêncio.
Para ele, não ter resposta para estas perguntas era torturante; Não saber qual o enredo do filme da sua vida era muito triste e doloroso. Olhou-a fixamente e sentiu o calor daquele olhar sincero de sempre.- Mas, então, o que devo fazer? Sentar-me e esperar tudo acontecer?Por momentos, ela perdera a serenidade e como uma mola saltou do sofá. De dedo indicador em riste foi desenhando no ar sinais de negação, enquanto dizia:
- Não! É necessário que tu mesmo cries o enredo do filme que queres para a tua vida e certamente voarás livre como os pássaros.
Fez-se um silêncio...com um gesto simples ele aquiesceu...e fechou os olhos...”

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

(37) Promessas...

“No rádio do carro fazia-se ouvir uma voz rouca de uma melodia antiga. Lá fora a temperatura devia ser difícil de suportar. Apenas o barulho louco de um ou outro camião, interrompia os seus pensamentos dolorosos...
Olhava de soslaio a condutora e sentia que tinha que tomar uma atitude.
-“Não vou mais parar a minha vida porque imagino o que não acontece, porque uma mensagem chega, porque não ouço o que gostaria de ouvir.Vou fazer o meu momento...Vou ser feliz agora...Terei outros dias pela frente, se souber saltar as barreiras da insegurança!!!”
A tarde de Verão caía lentamente; O sol começava a empalidecer no horizonte. No seu peito a inquietude, provocada pela incerteza do que iria acontecer; Era como se de repente tudo à sua volta tivesse perdido o seu sentido; Chorou, mas não sabia exactamente porquê...apenas sabia que tinha dado muita importância aos problemas, que nunca tinha conseguido resolver.
-“Chega de sofrer pelo que não consigo ver, pelo que não ouço ou não leio. Pelo tempo que não tenho e até de sofrer por antecipação, pensando sempre, apenas no pior. A partir deste momento, só vou pensar no que tenho de bom.”
As gaivotas irrequietas, sobrevoavam intranquilas os telhados, soltando seus estridentes gemidos. Olhou para ela e pediu que ficasse. As lágrimas teimosamente, entrecortavam as palavras que queria dizer...e numa amálgama de sentimentos e palavras, conseguiu uma vez mais, pela última vez, prometer que saltaria todas as barreiras. Ela, lentamente tirou a mão direita do volante, colocou-a afectuosamente sobre a sua perna...e silenciosamente prometeu que ficava.“