sábado, 1 de novembro de 2014

(58) Faltam palavras...

“Naquele momento, ele sabia que lhe estava a escrever para quebrar a solidão dos seus dias sonolentos e de certo modo para espantar a solidão das noites, abraçado naquele mar que se espraiava pelo areal. Sentado naquela esplanada escrevia-lhe na busca da explicação do porquê daquela onda distante que agitava a alma, como um poema onde a rima era o caos.
Escrevia-lhe porque do papel irradiava a luz que iluminava a sua alma, e dava-lhe a companhia que naquela distância procurava, embora escrevesse por instinto e não por mágoa. Escrevia-lhe pelo sabor do vento, que tinha o gosto do seu rosto quando lhe tocava. Mesmo em silêncio, ia desenhando aquele sorriso que sabia de cor, como se ainda entendesse os inventados gestos e carinhos, que pareciam reais nos sonhos das noites em que não conseguia dormir, e, mesmo sabendo que se perdia na imensidão dos sonhos, ele escrevia-lhe, com todas as fantasias que conhecia, procurando em cada palavra aquelas ausências e ansiedades, que sempre tivera.
Sonolento, abriu os seus braços para o mar, enquanto sentia os seus pés afundarem-se na areia molhada...o imenso mar azul estava à sua frente e nele se reflectiam gotas douradas pelo sol e areia.
Pensava nela naquele momento e agradecia aqueles beijos húmidos da maresia, do abraço apertado daquelas rochas que o protegiam do vento e da íntima conversa silenciosa dos olhos...
Caminhava agora com passos perdidos na areia molhada que resfriava a sua alma e a sua vida, marcada pela paisagem...pela face uma lágrima serena escorria, dando profundidade a um secreto sorriso...
O vento já passara na tarde que se fazia outono e onde se desvaneciam alguns sonhos.
Parou. Sentou-se de novo, agora numa rocha lapidada pelo fulgor das ondas e retomou a escrita. Mudou a história, o tema da poesia, o drama da história que queria contar...
Envelhecera. No rosto e no corpo as marcas rudes do tempo e a réstia de orvalho que esbranquiçara os parcos cabelos. Outra vez soltava as palavras no papel com desvarios das horas na praia...
Levantou-se, endireitou as costas e decidiu continuar com o seu passeio na areia molhada, na tentativa de limpar da memória os seus passos e deixar as ondas para trás, seguindo uma direcção sem destino. Além da estrada, além do tempo, hoje decididamente não era dia para lhe escrever..."

terça-feira, 27 de maio de 2014

(57) Mente confusa...

“Tentava sorrir com um ar forçado de compaixão a fim de jamais ferir aquele sorriso inconfundível. Muitas vezes não conseguira isso. Tentava segurar-se enquanto olhava os seus olhos que mesmo sem poderem falar uma só palavra, diziam tudo, toda a verdade omitida pela fala. 
Será que todos pensavam que tinha as mesmas preocupações fúteis de uma sociedade falida? Pensava no indiferente, no acabado, no que faria, no que deixara de falar e no que gostaria de ter feito. Ofensas vindas de todo o lado que hoje o divertiam. Ligava, ligou, já não ligava…e não ligaria nunca mais. Quem se importaria? O que lhe importava? Importava tentar seguir em frente. A sua auto-destruição era a sua única luta, porque nunca jogava para perder. 
Nunca foi o que sonhara. Nunca sonhara o que queria. Nunca fora bafejado por uma felicidade duradoura e verdadeira. Mas acreditava que nunca fizera questão de tentar. Mas uma certeza ele tinha, sempre tentou ter tudo o que nunca tivera. Pensou nos mais pequenos detalhes que não deram certo, os que agora estavam a dar certo e os que, futuramente, darão e não darão certo.
Gostava de coisas simples. Um sofá, uma televisão, uns papéis onde rabiscava umas frases e lia palavras bonitas. Gostava de pensar e realizar, querer e poder, sentir que era o que não era, para se satisfazer e realizar, escutar o que expressasse o que estava dentro de si, fazendo o que tinha vontade, escrevendo o que sentia por ela, sendo quem as pessoas não podem deixar pra trás, e acima de tudo amá-la infinitamente. 
Reciprocidade de sentimentos bonitos. Olhava a lua, pensava e transmitia, ria, fazia rir, enquanto ia sentindo uma brisa de felicidade, ouvia uma música agitada e saía a dançar…ouvia agora uma música linda e chorava…ao lado dela.”

quarta-feira, 7 de maio de 2014

(56) Carta de "Mensário"...

Acordara meio trôpego de sono. Sabia que a seu lado o lugar estava vazio e frio, porque há muito já o calor dela se fora, mas sentia ainda o seu perfume que embora já ténue o fazia recordar cada momento porque passaram. A recordação de um passado que viveram sem saber e de um tempo sem medida que o fazia voltar atrás e contar cada mês que já passou.
Levantou-se decidido e sem deixar que a memória o atraiçoasse, foi colocando no papel as sensações que aquela manhã lhe trazia. E escreveu:  

"Faz hoje mais um mês que iniciamos uma caminhada. Se por um lado parece tanto tempo, por outro parece que foi ontem, de tão agradável que é estar na tua companhia. Lembras-te? Aposto que sim! Afinal, quem poderia não se lembrar daquele nosso primeiro dia, quem seria doido para se esquecer de marcar para sempre na memória aquela data tão especial, em que tudo aconteceu de uma forma tão bonita! Nós não nos encontramos por acaso, não nos conhecemos e começamos a namorar sem saber o porquê. Um abraço, um calor e umas memórias que vinham do passado, que não sabemos de onde nem de há quanto tempo. Hoje recordo aquele dia e os primeiros instantes que trocamos olhares e palavras. De repente o interesse mútuo, os prazeres em comum… Digo que sou muito feliz por te ter encontrado e por estarmos juntos em mais um “mensário” nesta caminhada do tempo e do amor. Sei que estamos a construir o futuro e sei que somos apenas a continuação do passado que vivemos juntos e que o destino separou…sei apenas que quero estar contigo, e que em ti revejo o meu e o nosso futuro, mesmo nos momentos em que a vida nos sufoca e apenas queremos silêncio. Sei que nem sempre os momentos são vividos como deveriam…mas a vida é mesmo isto, uma carreira de obstáculos que testam a nossa capacidade de amar e de se entregar. Ficar calado num canto não significa “não estar”, apenas significa que a tua presença é importante porque me aquece o coração dorido e acalma a minha cabeça em profundo maremoto de tantas coisas que a ocupam…
Hoje ao acordar, abri os olhos e pensei “estou com ela”. Nunca tinha parado para pensar sobre o quanto isso importa: estar…
É no presente, meu Deus! E espero que se estenda até o futuro. Mesmo que, de vez em quando, nos cansemos de correr, cansemos de tentar e cansemos de nos importar, nós nunca nos cansaremos de “estar”... 
Tem um fantástico dia e nunca te esqueças que TE AMO MUITO.
Um beijo doce com saudade."

Dobrou a carta, meteu-a num envelope e deixou-a sobre a mesa. Talvez ela voltasse e a visse...e da leitura percebesse que em cada minuto de vida ela continua a ser o seu motivo de vida.