“Sentada na cadeira de baloiço na varanda, sentia que o silêncio lacónico dele era certamente doloroso. Era um silêncio ensurdecedor. Olhava-o com curiosidade e vontade de o tranquilizar. Mas como começar se o olhar baço e distante, entrecortado por um esgar sombrio para o copo de gin, lhe dizia que estava longe? Ultimamente era assim. Ficava horas na espreguiçadeira, como se regredisse no tempo e viajasse para outra vida lá trás, onde parecia ter deixado uma outra vida que o marcara profundamente. Mesmo assim arriscou:
- Sabes, eu sei que é difícil aceitar, mas a vida precisa ser renovada. Eu tenho a certeza que a morte é a mudança que estabelece a renovação.
Levantou dolentemente o copo até aos lábios e olhou-a como se despertasse por momentos. Ela percebeu e continuou:
- A dura realidade de suportar a dor quando alguém parte, é compensada pelas muitas coisas que se modificam na estrutura mental dos que ficam e, sendo uma lei natural, ela tem coisas muito positivas, muito embora as pessoas não queiram aceitar isso.
Levou o copo aos lábios e deixou-o ficar por momentos, sem que ela parasse;
- Nada na vida é mais inútil e magoa mais do que a nossa revolta. Não temos nenhum poder sobre a vida ou a morte, porque ela é irremediável e muito menos sobre o que ficou em outra vida.
Manteve o silêncio. O inconformismo, a lamentação, a evocação reiterada do que fora outrora, a tristeza e a dor, podem alcançar a alma de quem perdeu e dificultar-lhe a adaptação na nova vida. Ele sentia a sensação da perda, a necessidade de seguir adiante, mas não conseguia devido aos pensamentos do que ficara, a sua tristeza e a sua dor.
Ela percebera o olhar triste e distante. Calou-se. Sabia que na sua mente a imagem do passado ocupava toda a sua massa encefálica e mais que isso todo o seu coração dorido. Pensava que se ele não conseguia vencer esse momento difícil, jamais conseguiria esquecer a vida que deixou lá trás. Entendia perfeitamente que ficar ali, misturando as lágrimas, sem forças para seguir adiante, tornaria “as vidas” numa simbiose que aumentaria a infelicidade de todos. Mas não se conteve perante a apatia dolente:
- Pensa nisso. Por mais que estejas sofrendo a separação, se alguém ficou lá trás na outra vida, liberta-a agora. Recolhe-te a um lugar tranquilo, visualiza essa pessoa na tua frente, abraça-a, diz-lhe tudo o que teu coração sente. Fala do quanto bem lhe desejas. Despede-te dela com alegria, e quando a recordares, recorda-a feliz e refeita.
O copo estava vazio. O olhar marejado de teimosas lágrimas olhava o infinito. Na mente, as recordações da sua outra juventude onde perdera a sua razão de viver. Não era fácil explicar o que lhe ia na alma e difícil conter o muito que precisava dizer…
Respirou fundo. Ela estava ali na sua frente silenciosa e compreensiva, tentando trazê-lo para a realidade, mas silenciosa. Sabia que ele iria reagir. Era sempre assim. Sempre que viajava no tempo e voltava ao seu palácio, às guerras, às vitórias, às derrotas, às festas reais…á sua Princesa que ficou lá…na outra vida.
Ela sabia como lidar com esses momentos. Ficar em silêncio, até que fizesse a viagem de regresso e voltasse á rotina da sua vida actual. O copo vazio rodava de mão em mão. Uma gota sonolenta de condensação caíra sobre a perna desnuda e pareceu acordá-lo. Encheu o peito de ar, olhou o céu e com voz arrastada como se tentasse libertar um peso, balbuciou:
- A morte não é o fim. A separação, também não…é temporária. Tenho que seguir adiante e permitir-me viver em paz. Se não for nesta vida, haverá outras…
Levou o copo aos lábios, sorveu o resto do gelo derretido, olhou-a com um leve sorriso a que ela aquiesceu. Estava de volta…”