domingo, 3 de junho de 2018

(71) Uns Olhos...

Tudo olha!
Tudo é e aguarda em silenciosa espera. A espera sem julgamento, em dádiva expectante.
A expectativa do encontro onde a afinidade e o reconhecimento se realizam.
Olhos que te olham procuram os teus em toda a parte. Não as janelas com que vês o mundo, mas aqueles com que o percebes e o incorporas.
Os olhos que alcançam a outra margem, a outra perspetiva, o não-óbvio, o não-dito, o mediato, o além… - a Essência!
Quando te adentras e despes o redor do seu papel efémero de aparência e frágil superficialidade, o chip fotográfico chega à lente mais dotada do teu sentir. Os sentidos fundem-se e mesclam-se como as cores de uma opala. É aí nesse instante que os olhos se olham.
Olhemos movidos pela vontade curiosa do outro que é, sem a arrogância do ego que nos habita, numa assumida presença de igual diferença. Poderemos, assim, tocar a manifestação da admiração, da surpresa e tornar possível o encantamento e o impulso de buscá-lo. Olhar para acolher é ver algo do que somos no que nos olha, seja árvore, folha, asa ou flor de giesta. 
Todo o lugar é mundo. Todo o tempo, vivência. Toda a consciência, crescimento.
Assim, a viagem da vida que passa perpassa, também, a ligação a um exterior que escolhemos reconhecer como existência válida que nos afeta dentro, que percorre o labirinto das sensibilidades até onde o fôlego conseguir sorver a latência que povoa cada instante e nos procura os olhos do coração para passar a Ser, para nós, algo que não cabe numa frase começada por “teoricamente”…
Olhemos vendo, pois, para cima, para baixo, para fora e, se fecharmos os olhos, que seja para unificar, num mesmo véu de virtude, a Vida.
Olhemos com verdadeira humildade e jamais nos sentiremos sós, pois encontraremos um número infinito de olhos que como nós, esperam nos bastidores do estarmos aqui.
Afinal, no fundo dos olhos de um gato, um Deus se expressa!

sábado, 3 de fevereiro de 2018

(70) Abraço...entrelaço...

Foi aquele abraço...
No pico da saudade,
Com odores de canas e penedos,
Em corpos quentes entrelaçados,
Com cabelos na boca, por faces fundidas,
Onde o tempo voltou e parou
Sentem-se batidas cardíacas
E vapores de bocas caladas
Onde o tempo, no vento, esvoaçou...
Há memórias de afectos reprimidos
Reconhecidos, sentidos, amordaçados.
E foste quem eu sabia...
Soubeste quem tinhas sido...
E por entre os odores das canas e penedos
O casario abraçou-nos
Num abraço de caliça e pétalas caídas.
E a saudade fez-se presente
E o presente tornou-se entrelaço,
De laços e mãos suadas de espuma
Salgada, dolente, dormente...
E viajamos...

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

(69) Ontem, pedi-te que não fosses...

Ontem, foi tão tarde...
Um tempo adiado, na procura do tempo ideal.
Um tempo de sal...e maresia,
Uma noite de sol e umas mãos coladas na pele.
Ontem, devia ser novamente hoje...
Com beijos de sal e abraços de calor,
Que pedi e que tive.
Hoje, vivo no passado,
E volto como as gaivotas,
No silêncio da pele que se toca...húmida,
E nos murmúrios abafados
Da noite com aromas de paixão.
Ontem, já foi tão tarde...mas foi...
Pedi-te que não fosses
Queria que viesses...
Num beijo que escorre pelo canto da boca
E uma mão que segura e aperta a vontade
De ter mais...e tu voltas.
Em cada palavra não dita,
Esconde-se a vontade de ser feliz.
E em cada gemido sufocado,
Sei que estiveste lá...ontem...do meu lado,
E pedi-te que não fosses...
E voltaste sempre, até ao fim...